A violência que o fenótipo carrega
Após uma onda de protestos no mundo, sejam eles na internet ou não, como temos visto nesses últimos dias, é pertinente que pensemos sobre a violência que o fenótipo carrega. Nesse texto mudarei um pouco o foco da violência sofrida por aquele que carrega o fenótipo negro para apontar a violência que o fenótipo branco exerce sem nem perceber, reproduzindo racismo cotidianamente. ‘’Sou branco como posso contribuir na luta contra o racismo?’’ essa fala tem sido disseminada nas redes, mas a prática da mesma é mais difícil que parece.
(Foto da internet tirada durante um dos protestos nos Estados Unidos)
Na nossa sociedade racializar as questões é fundamental para entende-las em seu âmago e muda-las de forma significativa, lutar contra a violência simbólica que carrega o fenótipo branco requer doses amplas de humildade. A violência policial é apenas um dos aspectos aos quais a população negra acaba sendo submetida, e uma das formas de genocídio contra a mesma, mas não esqueçamos que ser antirracista requer analisarmos com atenção a gritante desigualdade social existente debaixo dos nossos narizes, encobertas pela violência histórica que carrega o fenótipo branco, não é segredo pra ninguém a quantidade de negros em situação de pobreza e miséria no pais, ou mais fácil pra não soar tão distante, na cidade. Também não é surpresa a discrepância gritante entre o feminicídio de mulheres negras, muito menos as questões culturais religiosas, tudo que é ‘’do negro’’ não é bem quisto socialmente. Sejamos realistas. Quais obras de artistas negros consumimos? Na academia, quais são as vozes negras que escutamos? Porque o trabalho de influencers negras, tão impecável quanto de muitas brancas não possui o mesmo alcance? Quais são as violências simbólicas brancas que continuam sendo reproduzidas cotidianamente que em contexto amplo de consciência coletiva dá aval para a manutenção de uma base social racista?
Ser antirracista é cavar na ferida, onde incomoda, ser antirracista é observar que a piada que continua sendo aceita também da força pro dedo que puxa o gatilho. Ser antirracista é ouvir ‘’não saio com negros por questão de gosto’’ e entender que o gosto é construção social a base de padrão de beleza racista, afasta essa população de relação social genuína, de afeto, traz dano psicológico. Ser antirracista é entender que o peso de carregar uma guia cruzada no peito, de quem reivindica sua herança, pode resultar em ver sua casa pegando fogo. Ser antirracista é entender as violências que o fenótipo branco carrega e reproduz física e psicologicamente.
(Foto da internet tirada durante um dos protestos nos Estados Unidos)
O genocídio da população negra é um projeto arquitetado e que vem sendo executado há tempos, não é possível sermos acadêmicos, cientistas, se ignoramos pilhas de corpos sendo amontoados ao decorrer dos anos por um sistema que insistimos em analisar no papel e não enfrentá-lo com todos os recursos que temos, ser antirracista é descer da cadeira do privilégio e humildemente saber ver-se no outro. Ser antirracista é entender que os negros não aguentam mais enterrar parentes e amigos pela violência que o fenótipo branco insiste em carregar pra satisfazer a síndrome do pequeno poder herdada do passado colonial. É não pessoalizar aquilo que tem dizimado uma população, quando sentir o incomodo que descer da cadeira do privilégio traz encontrar a humildade de reconhecer na ferida do outro a razão da sua dor. A vidraça de uma loja importa mais que um garoto de quatorze anos assassinado dentro de sua casa? Até quando ser passível e dócil é tolerável? Despir-se do egoísmo do privilégio branco é ser antirracista. Sejamos todos humildes, despidos e antirracistas, para que mais sonhos não sejam interrompidos.
(O pai de João, Neilton, debruçado sobre o caixão do filho Foto: Guito Moreto / Agência O Globo)