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Foto do escritorHeloísa Falquete

Quando o grito folclórico ecoa: os saberes populares e o Festival Nacional do Folclore de Olímpia


Muitos foram os intérpretes do Brasil sob a ótica histórica e social. As tentativas de interpretar a cultura, a formação e a sociedade que se formou em solo tupiniquim são vastas, fazendo jus à vastidão de variações étnicas de que viria formar este país. Desde o homem sertanejo de Euclides da Cunha, "desconhecidos singulares, abandonados há três séculos", ao homem cordial, pouco racional, de Sérgio Buarque de Holanda. Ainda, o impacto de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre e sua utilização para justificar uma democracia racial que nunca existira entre nós. Para além, destaca-se o povo brasileiro de Darcy Ribeiro da desindianização forçada dos índios e pela desafricanização do negro frente à falsa e cruel promessa de cientificismo e progresso.

O que é fato nestas teorias, com encontros e desencontros literários, é a nossa multiplicidade cultural que, mesmo sufocada, ainda persiste em suas diversas peculiaridades, regionalidades, cores e tons. Neste sentido, o Festival Nacional do Folclore de Olímpia nos mostra, há 54 anos, um cadinho dos variados brasis, exibindo do carimbó à congada as vastas significações da sabedoria popular aqui construída e perpassada geração a geração.

O festival nasceu das pesquisas e estudos empreendidos na década de 50, pelo professor José Sant’anna que lecionava no Colégio Olímpia aulas de Língua Portuguesa. Somente em 1965 o professor organizou a primeira exposição dos trabalhos desenvolvidos com auxílio de seus alunos. No interior de São Paulo, o festival ganhava vida e agregava, cada vez mais, tradições folclóricas dos quatro cantos do país. Iniciado na Praça da Matriz fez com que este conseguisse ampliar o espaço com a construção do Recinto de Atividades Folclóricas “José Sat’anna”, em homenagem a seu fundador.

Reconhecido como o maior do Brasil, consagra Olímpia como Capital Nacional do Folclore. Cerca de duzentas mil pessoas de diversos estados visitam o festival anualmente, dentre estes pesquisadores do assunto que

encontram ali o polo de encontro das tradições populares e das brasilidades. A riquíssima programação conta com danças e folguedos folclóricos, além de cursos, palestras e seminários de estudos. Para além, expõe brincadeiras tradicionais infantis, peças artesanais e conta com culinárias típicas.

Nas últimas semanas, dos dias 4 a 12 de agosto, o 54º Festival do Folclore foi realizado, superando expectativa de público. Durante os nove dias, 55 grupos folclóricos e parafolclóricos de 17 estados brasileiros se apresentaram, somando mais de 1.800 artistas pelos palcos do festival.

O cartaz desta edição, assim como a solenidade de encerramento, homenageou o fundador e coordenador do “Terno de Congadas Chapéu de Fitas”, Capitão José Ferreira. O grupo de congada é um dos grupos mais tradicionais da cidade, mantendo viva e perpassando para além de gerações esta manifestação cultural religiosa afro-brasileira.

Portanto, a mensagem passada pelo Festival Nacional do Folclore de Olímpia é a de difusão da cultura popular, dos ritos, dos mitos, dos cantos e da tradição. Desde as instalações da “Casa do Caboclo” onde o modo de vida sertanejo é movido a fogão a lenha até os estalos do Batalhão de Bacamarteiros do Sergipe há o fortalecimento da unidade nacional. No mais, o folclore é a festa do povo, de sua sabedoria, do que pensa e do que sente. É a cultura herdada e os conhecimentos transmitidos.

Retomando as interpretações iniciais acerca do que se constitui o nosso povo, cabe também refletir o que restou, nos dias de hoje, do momento de sua construção. O Festival instiga a pensar o conjunto de crenças e práticas que se perpetuaram em cada região, moldando as suas técnicas e as normas sociais. Pensar em Folclore é pensar em modos de interpretar os fenômenos cotidianos. Por este motivo, festivais como os da Estância Turística de Olímpia se fazem necessários, pois a tradição, mais do que nunca, se confronta com a modernidade. Para finalizar, um poema de Mário de Andrade que se lançou a fundo na Missão de Pesquisas Folclóricas e procurou, incessantemente, a essência do Brasil de dentro.

O Poeta Come Amendoim (1924)

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...

Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil

Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...

Silêncio! O Imperador medita os seus versinhos.

Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais.

Só o murmurejo dos cre’m-deus-padres irmanava os homens de meu país...

Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,

Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.

A gente inda não sabia se governar...

Progredir, progredimos um tiquinho

Que o progresso também é uma fatalidade...

Será o que Nosso Senhor quiser!...

Estou com desejos de desastres...

Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas

Se encostando na canjerana dos batentes...

Tenho desejos de violas e solidões sem sentido

Tenho desejos de gemer e de morrer.

Brasil...

Mastigado na gostosura quente do amendoim...

Falado numa língua curumim

De palavras incertas num remeleixo melado melancólico...

Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...

Molham meus beiços que dão beijos alastrados

E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...

Brasil amado não porque seja minha pátria,

Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...

Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,

O gosto dos meus descansos,

O balanço das minhas cantigas amores e danças.

Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,

Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Créditos:

https://www.facebook.com/folcloreolimpiaoficial/

Crédito das fotos: https://www.flickr.com/photos/pmolimpia/albums

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