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Foto do escritorRenan Augusto Ramos

O Veneno Nosso de Cada Dia!



O município de Araraquara vivenciou um período emblemático nas últimas semanas no que diz respeito à problemática do consumo e disseminação de agrotóxicos pelos grandes latifundiários do agronegócio, sobretudo os vinculados à produção de cana-de-açúcar para a indústria usineira. O corpo legislativo da cidade teve uma oportunidade ímpar para romper com a lógica dos grandes produtores que implementam cada vez mais defensivos agrícolas a fim de ampliar a produtividade de suas terras.


Já é lugar comum para todos nós que o Brasil, em termos absolutos, encontra-se na primeira posição entre os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo todo, levantando-se a estimativa média de 7,3 litros de defensivos por habitante no país. Este valor toma dimensões ainda mais alarmantes a partir do momento em que instituições especializadas na área da saúde, como Instituto Nacional do Câncer, salientam a relação entre o consumo excessivo de agrotóxicos com os problemas de saúde pública. A lógica que é hegemônica nas ações dos produtores brasileiros está alicerçada no consumo cada vez maior de agroquímicos como uma maneira de expandir a produção agrícola nacional. Porém, os produtores não levam em consideração, tendo em vista a verdadeira cruzada em busca de lucros, os problemas que esta lógica nociva traz para a dimensão ambiental, bem como para a própria dimensão humana.


O Brasil sempre foi visto, para ideólogos das décadas de 1950 e 1960, enquanto um país de recursos naturais inesgotáveis e que, por essa razão, poderiam ser explorados de maneira desenfreada e irreflexiva. Aparentemente esse modelo de pensamento ainda impera na mente tanto dos agentes econômicos como dos atores políticos que pouco ou quase nada fazem para barrar essa engrenagem autodestrutiva. Nosso eixo central de pensamento para esse texto parte do intuito de demonstrar como os interesses econômicos se sobrepõem aos interesses chamados de sociais, que estão voltados a uma produção plena da vida humana, levando em conta o trabalho, lazer e bem-estar humanos. A hegemonia econômica pensa em lucros, enquanto que o interesse de cunho social pressupõe a sustentabilidade entre as dimensões humanas.


O Brasil vota o Projeto de Lei 6299/02 para uma suposta modernização e ampliação do uso de agrotóxicos dentro do território nacional, alterando ou até mesmo extinguindo as competências dos órgãos de saúde e meio ambiente nesses assuntos para que assim possa centralizar todas essas funções dentro do Ministério da Agricultura. Esta proposta se coloca como um verdadeiro retrocesso histórico, sobretudo porque a tendência mundial é um crivo cada vez mais crítico sobre a utilização desses produtos químicos dentro das lavouras. Nacionalmente, observamos uma bancada ruralista extremamente articulada politicamente para alcançar seus objetivos nefastos. Em vista disso, esse momento da conjuntura nacional para assuntos voltados aos agrotóxicos reforça ainda mais aquilo que chamamos de período emblemático para o nosso município.


Araraquara se põe no centro de nossa reflexão, sobretudo pela discussão que se levantou na Câmara dos Vereadores no que tange à pulverização aérea de agrotóxicos nas culturas presentes no município. A cana-de-açúcar é um cultivo tradicional da cidade, configurando-se enquanto uma importante atividade econômica para os rendimentos municipais. Porém, tendo em vista um estudo realizado pelo pesquisador Raphael D’anna Acayaba, da Universidade de Campinas, pôde ser constatado que os corpos hídricos superficiais de Araraquara apresentaram níveis preocupantes de agroquímicos típicos para a otimização da produção canavieira. Alicerçada por esta constatação científica, surge a iniciativa do vereador Édio Lopes que visa a proibição completa dessa prática dentro dos cultivos araraquarenses. A proposta leva em conta tanto a problemática de contaminação hídrica como a própria problemática que se ergue aos pequenos produtores que ficam a mercê dessas pulverizações arbitrárias.


A pulverização aérea pode se estender até áreas para além daquelas às quais ela estava se propondo a atingir e, dessa forma, contaminar outras lavouras, corpos d’água e afins. Dessa maneira, há de se considerar que esta proposta de lei, trazida ao legislativo no dia 12 de junho, cumpriria um papel de extremo interesse social caso ela fosse aprovada, na medida em que está levando em consideração elementos que vão além do caráter econômico. Houve um intenso debate sobre a viabilidade ou não do projeto de lei e, ao final da sessão, ele infelizmente foi rejeitado por dez votos contrários contra apenas seis favoráveis. O que fica evidente para nós é que o debate se mantém vivo dentro das casas legislativas e há um interesse em se procurar compreender mais sobre essa problemática vivenciada no país como um todo. Porém, de maneira antagônica a essa busca de esclarecimento, encontramos um lobby extremamente poderoso e bem articulado dentro das instâncias políticas, que enfraquece toda e qualquer iniciativa que busque romper com essa dinâmica econômica exacerbada.


O município perde uma oportunidade extremamente valiosa de mostrar para os demais centros políticos que é, de fato, uma cidade solidária e participativa, que está articulando politicamente os interesses contra-hegemônicos e não apenas os interesses sustentados pela velha forma de se fazer política. Araraquara, por um reflexo da escala nacional, acompanha o resto do país que se afunda de modo cada vez mais intenso nos agrotóxicos, negligenciando de modo arbitrário as recomendações de instituições de saúdes, de órgãos internacionais, bem como dos próprios laudos técnicos que apontam a necessidade de repensar o uso dessas substâncias. Uma sociedade que almeja ser plenamente democrática não pode se esquecer dos planejamentos futuros. É necessário romper com as deliberações que visam o imediatismo político, sobretudo em prol dos agentes econômicos.


A sociedade para avançar precisa romper com a lógica atual, tendo em vista que as cidades se apresentam como insustentáveis no longo prazo, sobretudo no plano ambiental. O caminho é longo. O horizonte que se apresenta não é nada otimista e muito menos animador, mas são nesses momentos de anomia que as verdadeiras alternativas surgem para superar as contradições existentes. A participação política da sociedade civil organizada pode nos fornecer uma possibilidade de mudança da política representativa nacional. Porém, não cabe a mim, no momento, elencar alternativas, muito menos fazer uma análise das já existentes, o que me proponho a fazer com esse texto é demonstrar como pressões de agentes econômicos são capazes de distorcer as deliberações políticas a seu bel-prazer, deixando para segundo plano o interesse social.

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