A Questão da Titularização da Posse de Terra das Mulheres nos Assentamentos
O artigo "O Gênero da Posse da Terra: um estudo sobre o poder de negociação de mulheres titulares de lotes via reforma agrária" escrito por Barbosa e Lerrer (2016) aborda a titularidade de terras nos assentamentos. A questão é que a titularidade torna disponível à mulher rural o poder de "barganha" e uma segurança econômica, no que se refere a uma garantia de liberdade e de dignidade sobre a vida e sua produção.
Ainda assim, há uma condição de machismo e anulação da mulher que, mesmo com a titularidade da terra, nem sempre se coloca como uma sujeita de participação da produção rural, mas na maior parte dos casos é a responsável pelo trabalho doméstico.
Podemos partir, portanto, da história da desapropriação da terra dentro da legislação brasileira. A desapropriação da terra é a ação primeira para criarmos de fato assentamentos, a desapropriação da terra é uma ação do Estado que deve substituir obrigatoriamente o direito à propriedade pelo equivalente econômico sob a justificativa de interesse público ou social da terra.
A desapropriação de interesse social acoplada com a função social da terra estabelecida na Lei nº 4132/1962 e o Estatuto da Terra (Lei nº 4504/1964) torna alcançável a análise sobre o interesse social e assim, motivo para a criação dos assentamentos. Esse interesse culmina no "condicionamento da propriedade para o seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo especifico do Poder Público."
No Brasil todas as constituições, desde a carta imperial de 1824, afirmam o direito de propriedade. No entanto, esse direito é resguardado mediante a possibilidade de intromissão estatal quando há justificativa de interesse público, desde que precedida de ressarcimento ao proprietário. Já a lei nº 601 (Lei de Terras) promulgada nos anos 1850 estabeleceu que só se poderia adquirir terra mediante o pagamento. Essa lei foi a primeira contribuição para as disparidades entre os que têm e os que não têm terra no Brasil. Subsequentemente, a constituição de 1891 em seu art. 72, 17º escreve sobre os casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou seja, se estabelecido pagamento prévio, o direito que assiste o proprietário sobre a propriedade se manteria em toda plenitude.
Nesse sentido, o objetivo central deste texto é destacar as relações de exploração e exclusão, de opressão, de apropriação e de privatização e de como elas se encontram presentes no cotidiano das mulheres assentadas. O fato de a terra pertencer à mulher diante da conquista da terra legal não faz com que, de fato, ela seja autônoma dentro deste espaço. Precisamos lembrar também que, a titularização da terra em nome da mulher, é uma grande vitória no que tange a regularização dos direitos conquistados, mas a realidade de exploração e exclusão ainda está presente dentro dos assentamentos, nos quais a maioria das mulheres buscam a figura do homem para terem poder de se posicionar e de serem respeitadas.
Além disso, é preciso compreender que a divisão sexual do trabalho dentro dos assentamentos também é uma realidade: as mulheres normalmente ficam responsáveis pelo trabalho doméstico e algumas dentro da perspectiva de várias jornadas de trabalho, já que, além de cuidar deste espaço, precisam buscar trabalho fora do assentamento para ajudar na renda familiar. Enquanto, por outro lado, os homens são responsáveis pela perspectiva de trabalho produtivo e não assumem junto à mulher, uma participação no trabalho improdutivo, no caso o doméstico.
A partir da análise do artigo, é possível questionar quais as relações de poder e a inserção da mulher nos assentamentos e no campo, através do processo histórico em que o ideal da imagem da mulher foi construído e, de como se espera que ela se porte dentro desta realidade. O papel do Estado para assegurar os direitos conquistados, tanto o do uso das terras quanto os direitos da mulher, não deve ser esquecido. Ele é o responsável por promover políticas públicas que dinamizem a sociedade e ajudem no processo de emancipação da mulher que, apesar de estar distante e não necessariamente ligado totalmente com o poder da titularização da terra, faz parte do processo.
Referências:
BARBOSA, Maria L. D. A. & LERRER, Débora F. “ O Gênero da Posse da Terra: um estudo sobre o poder de negociação de mulheres titulares via reforma agrária” disponível em: <
http://www.sbsociologia.com.br/revista/index.php/RBS/article/view/173> acesso em: 28 de maio de 2018
LOPES, Jecson Girão “A desapropriação da propriedade de terra no Brasil” disponível em: <www.periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/okara/article/download/12311/9132> acesso em 28 de maio de 2018