Comer é um ato político
A alimentação é um assunto muito popular, especialmente a busca por uma vida saudável. Porém, com a transformação da alimentação em mercado capitalista, as propagandas estimuladoras de consumo das grandes empresas alimentícias unidas à falta de conhecimento da população são as principais causas para o grande nível de pessoas desnutridas e com a saúde debilitada logo nas primeiras décadas de vida.
Fato é que hoje em dia ninguém sabe o que come de verdade e a nossa compreensão sobre os alimentos é totalmente ditada pela indústria alimentícia. Como vivemos em um mundo de relações apressadas, somos ensinados, por exemplo, que uma bolacha recheada é um bom lanchinho para matar a fome, entretanto nunca sabemos do que é feita. Aprendemos a pensar que o recheio “sabor morango” é realmente feito de morango, e até que o cheiro colocado ali quimicamente corresponde ao cheiro da fruta, mesmo sabendo, ao mesmo tempo, que um morango nunca cheirou assim. O mesmo vale para os produtos que se dizem “fit”, “light”, “diet” e sua composição, que é praticamente a mesma de um produto normal.
A crença na propaganda da indústria alimentícia é tão grande que não nos habituamos a ler o rótulo das embalagens que, por lei, descrevem os ingredientes dos produtos por ordem de porcentagem da sua constituição – por exemplo, se na lista dos ingredientes o primeiro item é “açúcar”, o açúcar é o ingrediente mais predominante na preparação do produto, e assim por diante.
Em matéria da jornalista Paula Adamo Idoeta para a BBC Brasil e publicada pelo portal de notícias G1, “A geração que pode viver menos que os pais porque não sabe comer”, podemos averiguar as causas da alimentação errada não só em crianças, como também em adolescentes e jovens, com acesso à informação, no estado mais rico do país. O Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren) da Vila Jacuí, extremo leste de São Paulo recebe diversos pacientes em estado de desnutrição, atendendo não só casos de pessoas que comem pouco, mas também de gente que, mesmo comendo muito, não ingere nutrientes suficientes em sua dieta habitual.
"É o desafio do Brasil do século 21: a desnutrição é um mal causado tanto pela falta de comida na mesa quanto pela má alimentação, em uma época em que crianças estão desde cedo expostas a salgadinhos, produtos lácteos artificiais e açucarados, bolachas recheadas e outras guloseimas ultraprocessadas que são usadas como substitutas de alimentos mas que não suprem necessidades nutricionais." (IDOETA, 2017, "A geração que pode viver menos que os pais porque não sabe comer")
Dentre os pacientes do Cren, estão desde pessoas de baixa renda e famílias desestruturadas, com dificuldades financeiras para suprir uma boa alimentação, até famílias organizadas e sem dificuldades, que por falta de informação acabam tendo uma dieta sem nutrientes, à base de produtos industrializados. Consequência disso é que o Cren atende pacientes que ao mesmo tempo sofrem de anemia e colesterol alto.
É preciso combater a falta de informação, e a alienação feita pela indústria alimentícia que se propaga em todos os lugares, até em revista sobre saúde e programas de televisão. Em estudo no ano de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) constatou que o consumo de carne processada aumenta em 18% o risco de câncer colorretal. Carnes processadas correspondem a salsicha, presunto, linguiça, carne enlatada, carne de sol, carne seca e charque, além de molhos e outros produtos à base de carne, etc, e inclusive muitos desses alimentos são usados pelo próprio governo em merendas e lanches da rede pública brasileira. Estudos como esse são mal divulgados, intencionalmente, por veículos cujo patrocínio vem de grandes marcas alimentícias, fabricantes desses mesmos produtos.
A indústria alimentícia, bem como o agronegócio, nos adoece e adoece também o planeta em troca de dinheiro, muitas vezes desperdiçando comida enquanto muitos passam fome. A alimentação também é um ato político, mas por enquanto o é apenas para quem pode escolher. Por falta de informação ou renda, muitas pessoas são escravizadas pela indústria e o agronegócio, por isso a eficiência da agroecologia: a informação e a reforma agrária são urgentes para uma alimentação socialmente justa.
Referências
IDOETA, Paula. A geração que pode viver menos que os pais porque não sabe comer – e como reverter a tendência. Portal G1. 14 de dezembro de 2017.
ONU. Consumo humano de carne processada e carne vermelha aumentam risco de câncer. Portal das Nações Unidas do Brasil. 26 de outubro de 2015.