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Letícia Chamma

Universidade do Desassossego



O tema da saúde mental vem sendo cada vez mais recorrente, não somente nas academias, mas também na sociedade como um todo. O crescimento de tal preocupação se deve muito ao fato da depressão, segundo Nico, Leonardi e Zeggio (2015), se enquadrar como um fenômeno cultural da nossa sociedade historicamente pós-moderna, isto é, como uma “forma contemporânea de mal-estar” (Nico et.al, 2015, p.21).

Dessa forma, a depressão, também conhecida como transtorno depressivo maior (TDM) pode ser caracterizada como


(...) tristeza, perda da capacidade de sentir prazer, falta de interesse, sentimento de inutilidade, culpa excessiva, fadiga, dificuldade de concentração, retardo psicomotor, insônia ou hipersonia, entre outros, responsáveis por sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento em áreas importantes da vida. (NICO et. al, 2015, p.15, 16)


Ainda, alertam, de acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2016, um quadro alarmante de depressão, em que aproximadamente 350 milhões de pessoas podem ser diagnosticadas com TDM (2015, p.17).

Percebendo a importância da temática, foi realizado o trabalho “Qualidade de Vida dos Estudantes no Ensino Superior” para avaliação final da matéria de Estatística do curso de Ciências Sociais da UNESP-FCLAr. O intuito foi fazer uma breve reflexão sobre as condições de saúde mental e o impacto do curso de graduação na vida dos estudantes que se dispuseram a responder o questionário online “Saúde Mental dos Alunos da Unesp FCLar”, aberto do dia 22 de setembro de 2017 até o dia 23 de outubro de 2017.

O questionário contou com um total de 272 respostas dentre os cinco cursos de graduação oferecidos pela FCLAr, administração pública, ciências econômicas, ciências sociais, letras e pedagogia. Nesse aspecto, esbarramos com a limitação de não alcançar de forma expressiva todos os cursos, sendo 35% dos que responderam eram de ciências sociais e 34,7% de letras, enquanto que nos outros cursos, todos se encontram abaixo dos 14%. Além disso, o questionário abordou a faixa etária dos estudantes, a identidade de gênero, o tipo de moradia e se é na mesma cidade da universidade, problemas ou não de permanência, tensão ou estresse psíquico, distúrbios de sono, falta de confiança e a relação com o curso de graduação num total de 23 questões.

Nos restringiremos aqui aos dados mais contrastantes. Aproximadamente 76% dos estudantes teve mudanças drásticas no apetite, sendo que 69% marcou um grau de razoável à intenso de influência das formas corporais na autoestima. Em relação à qualidade do sono, 60% não consegue ter uma média ou boa noite de sono, contrastando-se ainda mais, pelo fato de 86,5% afirmarem se sentir cansados na maior parte do tempo. Tal indisposição, todavia, tende a influenciar na capacidade de concentração e de inciativa/tomada de decisões, em que pelo menos 60% teve muita ou razoável dificuldade. No que se refere à perda de interesse pelas coisas das quais gostavam antes e pensamentos negativos sobre si mesmos, os resultados aproximaram-se à 50% em ambos, ou seja, os dados foram bem divididos entre o menor e o maior grau de intensidade (que foi de 1 a 5).

O questionário pode mostrar também que, 57,7% dos graduandos se sentem culpados ou muito culpado em relação às suas próprias vidas ou à situação em que se encontram, da qual grande parcela experimentou situações de ansiedade ou desconforto, sendo 68% aqueles que marcaram os graus 4 e 5, enquanto que aproximadamente 40% vivenciou crises de despersonalização, entendida como uma desordem em que se experienciam sentimentos de irrealidade e/ou ruptura com a personalidade. Ainda, muitos se sentem instáveis ou particularmente irritáveis, contabilizando um total de 60%. Já em relação à situação de humilhação social, 28,3% não se mostrou nem um pouco incomodada, no entanto, aquelas que marcaram os graus do 3 ao 5, contabilizam aproximadamente 53% dos estudantes.

Diretamente relacionados ao curso e à instituição, as expectativas dos estudantes de quando entraram foram pouco ou nada atingidas, representando um total de 72%, sendo que mais da metade das pessoas se sentem insuficientes ou improdutivos em relação às exigências dos professores e da Instituição, em que aproximadamente 75% marcaram os graus de intensidade 4 e 5. Por outro lado, 50% das pessoas sentem seu desempenho representado pelo coeficiente de rendimento, enquanto que a outra metade não.

Enfim, apesar de se tratar de uma pesquisa com pouca visibilidade e pouco número de respostas em relação ao corpo estudantil, os dados apresentados servem para ressaltar a relevância e a necessidade da discussão sobre saúde mental. É importante deixar claro que o tipo de abordagem deve ser qualitativo, isso é, não dimensionar em vias de maximização do número de respostas, mas direcionar a análise para cada resposta em si e, portanto, para cada estudante dentro da universidade. Ainda, é importante destacar que esse quadro não se fecha somente aos graduandos, mas estende-se aos funcionários e professores, e também, à toda sociedade civil.

A rotina intensa das Instituições de Ensino Superior é um fator determinante nesse panorâma, afinal é um ambiente propício ao sentimento de competição, cobranças e incapacidade, o que só amplia a tendência de ataques de ansiedade, estresse, desmotivação, problemas para dormir, depressão e pânico, porém, não se deve somente a isso. Um estudo realizado pela Royal Society for Public Health, no Reino Unido, abordou a influência das redes sociais nas taxas de depressão e ansiedade na parcela da população dos 14 aos 24 anos. Constatou-se que essas redes afetam em grande escala o sentimento de comunidade, bem-estar, ansiedade, solidão, sono, autoimagem e medo de ficar por fora dos acontecimentos e tendências, uma vez que disseminam a ideia da “vida perfeita”, desenvolvendo expectativas ilusórias sobre as próprias vivências. Estas plataformas, de alta relevância na rotina do dia-a-dia, tanto dos jovens universitários, quanto de grande parcela da população contemporânea, fomentam uma crise de saúde mental.

Por fim, tanto a professora a professora de psicologia e coordenadora do Congresso Brasileiro de Saúde Mental, Silvana Maciel, quanto Nico, Leonardi e Zeggio destacam que o problema da saúde mental e da depressão é um problema de saúde pública, uma vez que os efeitos sobre o bem-estar de grande parte da população já se tornaram uma questão social.


Agradeço a minha companheira de trabalho e de vida, Anna Olivia Fidalgo Lima.


Referências

CARBONARI, Pamela. Instagram é a Rede Social mais Nociva à Saúde Mental. Super Interessante. 19 de maio de 2017.

DAMASCENO, Victória. Casos de Suicídio e Depressão deixam Universidades em Alerta. Carta Capital. 23 de setembro de 2017./

NICO, Y.; LEONARDI, J. L.; ZEGGIO, L. A Depressão como Fenômeno Cultural da Sociedade Pós-Moderna – Parte I: Um Ensaio Analítico-Comportamental dos Nossos Tempos. São Paulo: 2015.


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