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Wuallans de Oliveira

Sociedade dos lobos

Muitos são os teóricos que se ocuparam da tarefa de pensar a vida em sociedade e suas formas de organização. Para tal, alguns deles fundamentaram suas teses em reflexões ontológicas que tinham como cerne a investigação de uma pressuposta natureza comum a toda espécie. Mais adiante, a antropologia cumpre a função de sofisticar essa questão ao pensar as singularidades existentes em diferentes experiências humanas.

A noção de natureza humana é o ponto de inflexão entre os filósofos contratualistas, pois a ideia que resulta do exercício de pensar os seres humanos em toda a sua crueza e plenitude é o que irá dividir esses pensadores. Hobbes e Rousseau são dois exemplos clássicos que ilustram a dicotomia do pensamento ontológico e nos dão pistas sobre a manifestação da violência a nível pessoal e social. Rousseau pensava a humanidade enquanto a reunião de características naturalmente benevolentes e pacíficas, sendo a sociedade a causa de sua ruína. Por sua vez, Thomas Hobbes preconizava que o elo entre os seres humanos seria uma essência puramente caótica e belicosa, pois a natureza do ser na concepção hobbesiana é instável e pulsa com a finalidade primordial de satisfazer as vontades individuais e garantir a sobrevivência. Ainda que os escritos do autor inglês tenham recebido uma série de objeções por parte de outras correntes filosóficas, sua teoria ganhou fôlego ao ser ecoada no pensamento de Freud, uma das mentes mais poderosas da História recente.

Sigmund Freud fora entusiasta da ideia de que para que a sociedade possa existir é necessário que seja instaurado um sistema de repressão coletiva. Afinal, o egoísmo e a violência são apontados pelo psiquiatra austríaco como uma das características mais proeminentes na constituição da individualidade. Para Freud, todos nós contemos uma porção de agressividade necessária que, quando equilibrada, assegura a preservação da vida. O resgate e atualização desse debate sobre uma pressuposta natureza humana mantiveram reta a interrogação que alude àquela que é uma das indagações filosóficas mais remotas: O ser humano é naturalmente violento?

No campo da Sociologia, Norbert Elias enfatizou como o processo civilizatório se especializou em recalcar atitudes consideradas indesejadas. Na sua análise, ele concebe a imagem de uma sociedade que regula os aspectos elementares e animais da vida de modo cada vez mais sofisticado - muitas vezes despercebido. O controle de elementos que representam perigo à vida individual e comunitária é caracterizado e exercido através de regras e construções sociais que coincidem com o monopólio da violência por parte do Estado. Observações desta natureza também permeiam o pensamento de cientistas sociais tal como Foucault e Sergio Adorno, os quais também identificaram nos tentáculos institucionais um meio de coerção.

O que as narrativas supracitadas têm em comum é a consideração de que a entrega desmedida aos desejos e aos traços de violência inerentes à condição humana certamente tornariam a vida em sociedade impraticável. No entanto, a realidade de violência e marginalidade em sociedades desiguais, como a brasileira, parece remontar ao estado de natureza hobbesiano, sobretudo quando o "Leviatã" mostra-se frágil e impotente na providência dos direitos humanos. Além disso, o monopólio da violência pelo Estado seria, em tese, o atestado da atualidade de Hobbes e prova de que, do ponto de vista institucional, somos tomados por lobos.




Referências


ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

HOBBES, Thomas. Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Ícone, 2008.


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